Por Luciano Lanzillotti
Lanzillotti: Chove sobre minha infância é um livro de memórias e ao mesmo tempo um romance de formação intelectual. O que permanece desse livro em volumes como Um amor anarquista?
Sanches Neto: Sou um ficcionista que busca criar uma linguagem com densidade biográfica. Entendo a literatura como um processo de religamento com o real pela invenção. Então, mesmo em Chove sobre minha infância, onde personagens, espaços e fatos estão muito próximos da minha experiência pessoal, há uma força centrífuga que empurra o livro para fora de sua origem. Em Um amor anarquista, usei o modelo do romance histórico, que é por natureza um idioma de afastamento do tempo presente, para obter um efeito inverso – há uma força centrípeta, que une a minha experiência biográfica a um episódio distante no tempo e no espaço. Contei com minha experiência do meio rural para criar um ambiente falsamente realístico para a história da colônia anarquista. Este é um livro biográfico na medida em que o cenário pertence muito mais à minha experiência de agricultor, de técnico agrícola, do que a pesquisas históricas.
Lanzillotti: Atualmente diversos escritores se tornaram professores universitários, como você, por exemplo. O que há de bom e de ruim nessa relação entre a liberdade criativa e a Universidade?
Sanches Neto: O bom é que a Universidade pública permite que tenhamos uma independência de trabalho, e muitas vezes podemos fazer coincidir a nossa preocupação de criador com a nossa atividade de magistério. Leciono principalmente literatura brasileira contemporânea, então posso me aproximar como escritor do universo da produção literária do país. Isso me dá um convívio mais intenso com a literatura, permitindo que eu estude as principais obras da nossa língua. E a profissão de professor me coloca dentro de situações sociais reais, sou apenas um funcionário que tem deveres, que se relaciona com pessoas, que cumpre tarefas. Não sou o artista isolado das situações de vida, e isso me ajuda na hora de escrever meus livros, pois me dá uma percepção mais fiel da existência. O lado ruim de ser professor é que as obrigações de trabalho tiram muito da energia que deveríamos dedicar à obra em que trabalhamos. Só posso escrever romances nas férias, quando sou 100% o escritor. Apesar disso, minha relação com o magistério é tranquila. Não quero outra profissão.
Lanzillotti: Miguel Sanches Neto é também poeta. Qual o panorama atual da poesia brasileira?
Lanzillotti: Li há algum tempo uma crônica sua falando sobre a dificuldade em se escrever corretamente. Quais os dilemas diante da folha em branco?
Sanches Neto: Não tenho dilemas diante do vazio anterior à escrita. Sou um escritor que só senta para escrever quando o texto – de prosa ou de poesia – já está devidamente elaborado e reelaborado na minha mente e em minha sensibilidade. Então, escrever é mais fazer um download, é baixar o arquivo. Escrevo muito rapidamente, mas antes passo um longo período de convivência com o texto. Claro, isso vale para mim, não vale para todo mundo.
Lanzillotti: Você fez a sua graduação em uma Universidade particular e os cursos de Pós-Graduação em instituições públicas, entre elas a UNICAMP. Há alguma diferença entre essas instituições, entre seus alunos e professores?
Sanches Neto: Há uma padronização geral dos alunos de nossas universidades. Não vejo grandes diferenças. O que separa as instituições não é a sua natureza, mas o perfil administrativo delas. Há universidades que investem mais em bibliotecas, em bolsas, em estruturas de pesquisa e de pós-graduação. Estas são as melhores para os alunos e para os professores. Há mais espaço de trabalho. E de aprendizagem.
Lanzillotti: Haja vista a tentativa histórica de separação, você acha que isso ainda permanece ou é balela?
Sanches Neto: Não. Isso não existe como projeto coletivo, talvez apenas como delírio de alguns grupos. O Brasil é um só. Em uma cidade vizinha à minha, Prudentópolis, todos falam ucraniano, há até um jornal nesta língua, mas todos se sentem brasileiros. Sobre esta diversidade há um livro do Wilson Martins que recomendo – chama-se Um Brasil diferente. Temos apenas particularidades, mas somos a mesma pátria, com os mesmos dilemas.
Lanzillotti: Sei de sua estreita relação com os novos meios de comunicação e escrita. Fale um pouco sobre a função da internet para o escritor de hoje.
Sanches Neto: São uma única pessoa. Eu me deixei ficar naquela identidade. Tenho a mesma curiosidade daquela época. Um interesse total pela realidade. Ainda me emociono com as descobertas, mantenho olhos de primeira vez para tudo.
Lanzillotti: Recentemente o Brasil perdeu Wilson Martins, o que joga ainda mais água fria na frágil crítica atual dos jornais brasileiros. Isso é reflexo da falta de escritores, da falta de abertura da imprensa ou de críticos capazes de enxergar o fenômeno literário em toda a grandeza que o compõe?
Sanches Neto: É reflexo de uma falta de interesse pelo outro. Estamos todos interessados demais em nós mesmos, e ignoramos a produção alheia. A crítica hoje é exercida mais pelos leitores, nas redes sociais, do que nos meios de comunicação e nas universidades, preocupadas com a manutenção de posições de status. Os escritores devem fazer também o seu papel de pensar a produção contemporânea, não podem esperar que críticos venham fazer isso, porque não há mais esta diferença de papéis. Pensar a produção é uma tarefa coletiva. É isto que aprendi observando a cultura de crítica espontânea que nasce na internet.
Publicada originalmente por Pipol em 02/06/2010 http://www.cronopios.com.br
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