SEGUNDA ENTREVISTA DE RUY ESPINHEIRA FILHO

 



                                                                                                                                    A Luciano Lanzillotti


    Lanzillotti: Ruy Espinheira Filho é um poeta que dispensa apresentações. Conseguiu, ao longo das décadas, público leitor que o reconhece como grande voz  da lírica brasileira. Como tem sido esse reconhecimento em quase cinquenta  anos de publicações? Falta alcançar algo?


    Espinheira Filho: Muito obrigado pelos elogios, Luciano, nem sei se mereço tanto. Quanto ao reconhecimento da minha poesia, é a velha história: entre alguns, os escassos verdadeiros leitores de poemas. Quase cinquenta anos, sim, desde o Heléboro, de 1974. Se me falta alcançar ainda algo? Sim, o próximo poema...


    Lanzillotti: Que modificações, no mercado editorial, você enxerga nessas décadas de produção? Há solução para a crise do livro no Brasil?


    Espinheira Filho: Não vi muitas modificações, se é que vi alguma, no mercado editorial. A crise do livro no Brasil sempre existiu. E não é uma crise somente brasileira, aqui é apenas pior do que nos países mais civilizados. Melhoraria se tivéssemos um governo mais chegado à cultura, o que não temos. Pelo contrário: agora está querendo taxar a publicação de livros, dizendo que só lê quem é rico... Coisa de dementes.

    Lanzillotti: Você transita com grande delicadeza entre poesia e prosa. Algo pouco comum, por conta das diferenças de escrita e de fôlego durante a escrita. Percebe alguma dificuldade em algum dos gêneros? 


    Espinheira Filho: Acho que minha escrita mais natural é a da poesia. Desde menino venho tentando escrever versos. Prosa também, mas creio que a poesia é onde me situo melhor. Agora, há grandes diferenças entre escrever um livro de poemas e um romance, pelo menos para mim, neste tenho certamente mais dificuldade. Mas, seja como for, se pretendo escrever certas histórias só me resta mesmo enfrentar o romance...


    Lanzillotti: A presença da ausência é algo relevante em seus poemas. Sua obra é vasta e contempla magistralmente os principais assuntos da existência e não apenas esse, pois bem além de apenas enumerar recordações. Contudo, há casos raros de metapoesia em sua obra. A que se deve isso?


    Espinheira Filho: A presença da ausência, diz você... Bem, só faço poesia sobre a vida – e mais: sobre a minha própria vida. E como, com o passar dos tempos, vão acontecendo as perdas, elas se impõem. Perdas que são, na verdade, uma permanência. Porque as perdas continuam conosco. Convivo intensamente com pais, irmãos e amigos que se foram – e, assim, de fato não se vão. Estão comigo, sempre. Quanto à metapoesia, realmente é uma ocorrência rara. Sempre preferi escrever poesia, escrever sobre a vida, não sobre a escrita, deixo isso para professores, críticos e os que pensam estar fazendo poesia quando teorizam em torno dela... Afinal, o que o leitor quer de Homero, Dante, Shakespeare e Camões, por exemplo, não é o que pensam da escrita, mas o que podem fazer com suas inspirações.


    Lanzillotti: Você presenciou início e fim de diferentes correntes poéticas, esquecidas ou exauridas com o tempo. Manteve, entretanto, a verve literária, criando alguns dos mais lindos sonetos existentes em português. É mais fácil escrever utilizando-se das formas fixas ou dos versos livres? 


    Espinheira Filho: Nunca é fácil escrever, seja em formas fixas, como se diz, e em versos livres. As chamadas formas fixas exigem um domínio especial. Eu, na verdade, jamais pretendo escrever desta ou daquela maneira. Não “pretendo” nunca, porque só escrevo o que me ocorre, o que me vem – e quando vem já chega em sua forma própria. Quanto aos versos livres, Eliot, Bandeira e Mário de Andrade já escreveram que nunca existiram – porque toda arte é rigor. Há liberdade, sim, nas opções, nas escolhas, mas na elaboração tem que prevalecer o rigor. Sempre. Ou não haverá arte nenhuma. Assim, o bom verso livre não é livre, precisa ter certas sonoridades e cadências – do que muitos versilibristas, digamos assim, infelizmente não sabem...


    Lanzillotti: De que forma tem sido escrever e vivenciar o Brasil da Covid?


    Espinheira Filho: Bem, pandemia é pandemia, algo que ninguém quer ou espera vivenciar. Mas aconteceu, e só nos resta tentar sobreviver. Eu já estou há quase um ano em quarentena e continuo querendo me cuidar. Com amigos e parentes há a conversa de longe. E tenho escrito, sim, até mesmo um livro todo de novos poemas, entre 2020 e 2021, encaminhado a uma editora, e que, mesmo bem recebido pelo editor, não tem perspectivas de edição, é claro. Já tenho, no momento, três livros novos que ainda não consegui lançar na Bahia, foram apenas lançados em São Paulo, dois deles, em 2019, o terceiro não aparecendo nem lá, terra da editora dos três. Enfim, paciência...


    Lanzillotti: Em uma das premiações, mesmo sendo finalista, dizia-me que seria difícil ganhar por conta de estar fora de certo eixo de onde geralmente saíam os vencedores. O Nobel e outras premiações pelo mundo parecem estar se pautando em critérios pouco ou nada relevantes para a escolha do premiado. Isso ocorre de fato e por quê?


    Espinheira Filho: Bem, acho que houve, nos últimos tempos, uma queda nas exigências – e uma desastrosa preferência pelo “quê” em lugar do “como”. Não é como você escreve que conta, não é a qualidade literária – é o assunto. A gente se horroriza vendo elogiados e premiados de hoje. Manifestos políticos, berreiros e explorações da sexualidade derrotam qualquer qualidade. Sem falar nas simples bobagens que fazem sucesso na internet, por exemplo. Trata-se de outra crise – e assim, sem dúvida, vai passar. Só que ainda pode demorar – e a vida é curta...


    Lanzillotti: Existe uma crise da forma ou do conteúdo poético? Ou vivemos ciclicamente, enaltecendo para depois rechaçar assuntos e escritas?


    Espinheira Filho: Não existe crise da forma ou do conteúdo poético. O que há, ou não há, é arte. Às vezes surgem grupos, ditos vanguardistas, que querem acabar com toda a tradição etc. e tal. Bem, acabam não acabando com nada, ao não ser com a nossa paciência. E desaparecem em breve tempo, sendo apenas lembrados por alguns professores e críticos. Grande exemplo no Brasil é o concretismo, que foi acompanhado com interesse por Manuel Bandeira, mas que depois o levou a defini-lo, numa entrevista, como uma “empulhação”. O que achei que era desde o primeiro triste contato...


    Lanzillotti: Sei de sua intensa produção. Quais serão os próximos projetos?


    Espinheira Filho: Sim, continuo produzindo, já falei de um livro novo encaminhado a editora. Meu próximo projeto, bem ambicioso, é recolher, numa bela edição, a minha Obra poética, com tudo que escrevi em versos a partir de 1966. Projeto bem ambicioso, repito, porque talvez exija alguma participação financeira, o que não é nada fácil para um professor aposentado... Mas, como já cheguei até aqui, continuarei cultivando esperanças...


RUY ESPINHEIRA FILHO

BAHIA, MAIO DE 2021.

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