Entrevista de Mário Baggio


Mário Baggio...


Quais as maiores dificuldades que um autor independente enfrenta? 


As dificuldades são muitas, mas acredito que a maior delas seja a divulgação de seu trabalho. O escritor independente não conta com o suporte de uma editora para tornar o seu trabalho conhecido. Uma editora conhece os canais, os caminhos para divulgar um autor contratado. O autor independente não. Ele tem de fazer o trabalho sozinho para divulgar seu livro. Não fossem as redes sociais, os blogs próprios e os literários de terceiros, os canais de literatura e alguma mídia alternativa, seria impossível para o autor independente mostrar sua produção. Quando ele consegue, é por mérito próprio. Há também aqueles escritores que são solidários e ajudam na divulgação do trabalho de seus pares. Eu sou um deles.

 

 

Editora Coralina

 


O que acha das principais premiações literárias?



Prêmios são importantes. Alavancam, ainda que de uma maneira bastante tímida, a carreira de um escritor. Ele pode colar o selinho na capa de seu livro. Ganha visibilidade, e isso é bom. A editora que o publicou fica contente. Eu acho que no Brasil há poucos prêmios realmente relevantes, deveríamos ter mais. E, muito importante, com inscrições gratuitas e envio das obras concorrentes por meios eletrônicos. Ainda temos concursos com inscrições pagas (caríssimas!) e temos que enviar fisicamente o nosso material.

 

 

Editora Autografia


Qual a relação entre seus contos e o gênero crônica?



A crônica é um gênero literário que utiliza linguagem coloquial para abordar, com humor, ironia, acidez, acontecimentos da vida cotidiana, equilibrando-se entre o jornalismo e a literatura. Há espaço para o lirismo, a poesia, o onírico. Cássio Zanatta, nosso contemporâneo, é um grande cronista que, a meu ver, faz poesia em prosa, tal é o grau de lirismo que ele imprime em seus textos. O mesmo se pode dizer de Antonio Pimentel, outro contemporâneo e excelente cronista. Não se pode esquecer dos grandes cronistas brasileiros de todos os tempos, como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Nelson Rodrigues, que foram mestres na arte de narrar o dia a dia.

 

Meus contos, embora na maioria das vezes eu aborde temas da vida comezinha, cotidiana, têm a preocupação de contar uma história com começo, meio e fim. Tenho liberdade de inventar coisas, inverter acontecimentos, falsear algo, iludir o leitor, propor armadilhas no desenvolvimento do enredo, criar personagens que só existam na minha cabeça. Tudo isso pode ter seu ponto de partida num acontecimento da vida real, mas caberá a mim narrar esse acontecimento de forma literária. Muitos de meu contos nasceram de notícias de jornal, conversas que ouvi, fatos que testemunhei ou de minha simples observação da vida.

 

Acredito que, literariamente falando, meus contos não se caracterizam como crônicas.

 

 

Editora Coralina




 

Em seu mais recente livro (Verás que tudo é mentira), o fio-condutor é a mentira ou a verdade sobre a mentira?


A ideia da maioria das narrativas de “Verás que tudo é mentira” nasceu no decorrer da campanha presidencial de 2018, quando o país foi inundado por uma excrescência chamada “fake news”. De uma hora para outra, as pessoas passaram a divulgar qualquer coisa como se fosse verdade, e elas mesmas passaram a acreditar no que queriam. A verdade passou a não importar mais, mas sim a versão que determinado grupo queria que fosse vista como verdade. A partir dessa constatação, desenvolvi uma série de histórias tentando mostrar algo que pode não ser verdade, mas há quem acredite que é. O conto “A felicidade nem sempre é divertida” é um exemplo disso, em que um sujeito é confundido por uma senhora como seu filho, embora ela, no íntimo, saiba que não é. Sua solidão é tamanha que a ela não importa que ele não seja seu filho, isso é um problema menor.

 

Em “Verás que tudo é mentira” há muitas camadas, umas calcadas na verdade, outras na mentira. Como em “Aprendizado”, o primeiro conto do volume: “A vida é uma coisa que nunca é do jeito que a gente quer.” Cabe a todos nós usar o cérebro e exercer a capacidade de discernimento para distinguir o que de fato aconteceu da descrição na qual querem que acreditemos.

 

 

Editora Autografia


 

Qual o papel da literatura na vida política do Brasil?



É fundamental. O escritor deve cuidar de não ser panfletário (exceto, é claro, se ele quiser deliberadamente escrever um texto panfletário). Eu acredito que tudo o que fazemos é um ato político. Fazer algo pressupõe escolhas e renúncias: escolhemos fazer isso porque não queremos fazer aquilo. Se escolhemos uma coisa, renunciamos a outra. Essa escolha é sempre carregada de nossas histórias pessoais, nosso mapa de vida, nossas experiências existenciais. Se alguém decide escrever, é porque decidiu não misturar cimento para levantar uma parede, por exemplo. A literatura não pode ficar de fora desse debate.

 

 

Creio que a principal característica de muitos de seus textos é a concisão narrativa ou transita bem na construção de textos de maior fôlego?



Quando começo a escrever, tenho pressa em colocar um ponto final. Quando depois leio o que escrevi, percebo que já contei a história, que nada mais precisa ser dito. Gosto da concisão, da narrativa curta, que cause impacto, que provoque espanto no leitor. Acho que é por isso que ainda não me aventurei pelo romance (mas é uma questão de tempo, estou elaborando algumas ideias). No meu próximo livro eu experimentei narrativas mais longas. Haverá contos de 8 ou 10 páginas, o que não é muito, mas é maior do que os textos que normalmente escrevo. Acho que o tamanho do texto pouco importa. O que importa é o que está sendo contado. Por essa razão não gosto muito do termo “microconto”. Gosto de conto, independentemente do tamanho.

 


Além do amor e dos sentimentos altruístas, há alguma solução fora a escrita?



 Saber que somos todos seres iguais, nascemos todos da mesma maneira e vamos morrer todos da mesma maneira, uns antes dos outros, mas todos terão o mesmo fim. Penso que estamos atualmente numa crise de sentimentos altruístas como nunca vimos antes. O fio narrativo de meu próximo livro é a finitude (não só a morte), mas de tudo (ou quase tudo) o que caracteriza o ser humano. Segue um trecho do que escrevi na apresentação do volume:

“As narrativas não abordam só a Finitude Maior, mas também suas muitas e infinitas variações: a finitude da inocência, a da justiça, a da igualdade, a das ilusões, a do amor-próprio, a da confiança, a da sensatez, a da honestidade, a do amor, a da compaixão, a da solidariedade, a da decência, a da razão, a da verdade, a da tolerância, a da fé, a da perspectiva de futuro, a da liberdade, a da empatia, a da paciência, a da delicadeza, a da dignidade. Complete a lista, leitor/leitora.”

 

Temos que recuperar tudo isso que perdemos nestes tempos. A escrita pode ser uma ferramenta valiosa para essa tarefa.


 



O autor edita o blog:

http://homemdepalavra.com.br/


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