Três artigos e uma resenha sobre As Diabruras de Orfeu, de Paulo Martins

 



DIABRURAS DE ORFEU

RUY ESPINHEIRA FILHO

O livro, da editora Lacre, se intitula “As diabruras de Orfeu – cantorias sem fim”. O autor é o baiano Paulo Martins, poeta, ficcionista, ensaísta, compositor, boêmio e amigo meu desde a adolescência em Jequié. A primeira parte do livro toca as memórias, sobretudo musicais, da infância, prosseguindo no desenvolvimento de uma natureza intensamente musical e também marcada pela literatura, especialmente pela poesia. Música e poesia, que certamente surgiram ao mesmo tempo, milhares de anos atrás. Poesia e música, artes que impregnam a vida de todos nós. Não há ser humano que não traga em si música e poesia. A grande referência no livro é Orfeu, aquele da mitologia grega que todos conhecemos, e que é a um só tempo música e poesia. Como foi – e é – a vida de Paulo Martins, que, falando das “diabruras” de Orfeu, falou de si mesmo, de sua própria vida.

Falando também de amor, claro, que sem ele não há música nem poesia – e vice-versa: sem alma densa de música e poesia não há lugar para o amor. E segue o autor pelos seus caminhos de música e poesia – e encontrando muitas pedras pela frente, como a ditadura militar. Desta, Paulo conta as perseguições, prisões e, em particular, torturas brutais que sofreu num quartel de Pernambuco. Torturas de todo tipo, inclusive uma que prejudicou definitivamente seus ouvidos, até parecendo que os torturadores adivinharam que ele era um homem musical, necessitando dos ouvidos mais do que uma pessoa comum. E, mesmo com tratamentos médicos posteriores, inclusive cirurgia, ele nunca mais conseguiu ouvir normalmente. Mais um artista vitimado pelo golpe de 1964, como outros de países como a Argentina e o Chile, para ficarmos nestes três.

O livro prossegue com vida do autor e sempre música e poesia. E mostrando uma intimidade impressionante dele com elas em nosso país e em outros, assim como suas manifestações ao longo de séculos. Depoimento corajoso e apaixonado, compreendendo importantes ensaios sobre poetas e compositores como, por exemplo, Jacques Brel (por quem cultiva uma admiração especial), Vinícius de Moraes, Chico Buarque, com referências constantes a muitos outros. Tudo feito com grande penetração intelectual e a emoção que sempre se apossa do ser humano quando se envolve com a música, com a poesia e o amor.

Nosso espaço vai terminando. Encerro dizendo que fiz minha leitura de “As diabruras de Orfeu” tanto com admiração quanto emocionado. Obra muito rica e bela. Indispensável a quem não tenha medo de penetrar no mundo da música, da poesia e do amor. Num dos trechos do final do livro, diz Paulo: “Por pior que o mundo esteja, ainda há esperança”. Sim, que haja esperança e possamos seguir em frente. Sob as bênçãos de Orfeu.

A Tarde – 08/10/2020.




Intensa e emocionante viagem 

CARLOS BARBOSA

O escritor Paulo Martins, baiano de Ipiaú e cidadão do mundo, abriu mais uma vez sua matula de longas viagens e vastas experiências para brindar seus leitores com um novo título “As diabruras de Orfeu – cantorias sem fim”. O livro acaba de sair pela Editora Lacre e pode ser adquirido no site da Editora por 38 reais, e em livrarias como a Travessa, por 45 reais. Paulo Martins vive hoje em Lisboa, refúgio de muitos brasileiros nesses tempos trevosos.

No prefácio, o pesquisador de música Ricardo Cravo Albin destaca a qualidade do texto “muito bem escrito não fosse Paulo Martins também romancista”, chamando a atenção sua “alentada cultura musical e literária, em especial a helênica, a dos mitos, a das assombrações, a do épico da música e da morte, da vida e do amor”. Tudo isso o autor “esgrime e deposita aos pés do leitor”, no dizer de Cravo Albin. Nenhuma surpresa. Nenhuma surpresa nisso, pois Paulo Martins demonstrou em seus livros anteriores um completo domínio da arte de narrar.

Para Ruy Espinheira Filho, em recente artigo publicado sobre o livro, Paulo Martins ao falar das “diabruras de Orfeu, falou de si mesmo, de sua própria vida”, marcada por música e poesia, pois "sem alma densa de música e poesia não há lugar para o amor”, e também por lutas políticas, em especial contra a ditadura militar, das quais carrega até hoje sequelas físicas dolorosas. E Ruy define “As diabruras de Orfeu” como “depoimento corajoso e apaixonado compreendendo importantes ensaios sobre poetas e compositores como, por exemplo, Jacques Brel (por quem cultiva uma admiração especial), Vinicius de Morais, Chico Buarque, com referências constantes a muitos outros. Tudo feito com grande penetração intelectual e a emoção que sempre se apossa do ser humano quando se envolve com a música, com a poesia e o amor”.

Paulo Martins é poeta, letrista, ensaísta, romancista e cronista. Autor de “Glória partida ao meio”, “Adeus, Fernando Pessoa”, “A história de Roque Bragantim” e “Jacques Brel, a magia da canção popular”. Martins já morou em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Paris e Pequim, entre outras cidades. Atualmente reside em Lisboa onde se divide entre as suas três maiores paixões, desde a adolescência: a literatura, a música e a política.

As Diabruras de Orfeu – Cantorias sem fim” representa assim um convite a intensa e emocionante viagem pelo tempo musical do autor, o que permite ao leitor um encontro com o que a vida tem de melhor a nos oferecer: música, poesia e amor.

Carlos Barbosa, escritor, especial para o Jornal do Estado de Feira de Santana, 13/10/2020.




Nesta sinfonia de possibilidades

TÂNIA MIRANDA



Numa habilidosa mescla literária, o autor compõe nesta obra um cenário fascinante de memória musical, ensaio, episódios autobiográficos e ficção.

Logo o leitor é seduzido pela comovente narrativa memorialista: a paixão pela música e pela poesia desde a infância e a adolescência, e as dramáticas pedras no caminho.

Preso na juventude, expõe as dores sofridas nos porões da ditadura militar no Brasil e nos pega desprevenidos ao confessar que a música potencializou sua resistência à violência física, mental e psicológica de que foi vítima. Na solidão escura de sua cela cantava baixinho. Cantar era o exercício para estar vivo. E resistir à morte.

Com as torturas sofridas em duas prisões, a primeira no Rio e a segunda na Bahia e Pernambuco (choques elétricos nos ouvidos, afogamentos, tapas nos dois ouvidos simultaneamente), o autor perde a audição. Mas persiste heroicamente na obsessão de se tornar compositor, dedicando-se, aos trancos e barrancos, à invenção de uma nova maneira de ouvir.

Ao desprender-se da linha memorialista, ingressa em fantásticas considerações sobre a música em geral e em particular sobre canção popular, oferecendo ao leitor um panorama belíssimo de três compositores de sua predileção: Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Jacques Brel, abordando ainda, de passagem, outros grandes mestres da MPB como Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo, Paulo Vanzolini, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e vários outros. Tudo isso sob a benção do mito grego de Orfeu e Eurídice.

Nesta sinfonia de possibilidades, este é um livro para se ler, ouvir, sentir e cantar. Segundo o autor, trata-se de “uma sinfonia em cinco movimentos”, configurada num grande hino em defesa da música e seus poderes de redenção. 




Diabruras de Orfeu, de Paulo Martins


Por Luciano Lanzillotti



Qual a diferença entre destino e acaso? Não será o acaso também alguma forma de interferência das moiras, fiando e desfiando o chão que temos à frente? Destino não será tudo aquilo que achamos ter apenas dado certo, diante do que esperávamos? E o que não dá certo, não será também alguma forma de fortuna? Prefiro o acaso da existência, é nela que fio meus dias, sem tantos mistérios ou planos sobre como será o futuro ou como serei se ainda existir. Entretanto, deixo reticências abertas a tudo o que a vida me traz e que me envolve com tanto carinho e atenção.

Há quase vinte anos tive primeiro contato com a poesia de Ruy Espinheira Filho: seus versos lapidares, sua simplicidade no trato pessoal, sua visão ímpar sobre o mundo atual, sua relação com a memória e sua generosa amizade me conquistaram até o fim do meu calendário nesse planeta de contrastes. Só não sabia o quanto aquele primeiro contato frutificaria, trazendo-me outras pessoas, amizades e livros, como o Paulo Martins e seus belos livros. E eis que a partir da leitura desse lindo “Diabruras” posso acompanhar a vida desses dois amigos em cantorias e serestas por bares e madrugadas à fora e me sinto acalentado por fazer parte, mesmo que à distância, de suas vivências e carinho mútuo.

Confesso que pouco sabia sobre Orfeu, embora os livros de Vinícius de Moraes e Jorge de Lima sejam de brilhantismo irreparável, confesso também que a música e a poesia estiveram sempre relacionadas em minha vida e que, de certa forma, esse relação jamais deixou de existir, tal qual ocorre com o Paulo no “Diabruras de Orfeu”, minha vida sem a música teria sido insossa e sem esperança, talvez nada tivesse de interesse em literatura, caso não houvesse o interesse pela música.

Alguns anos separam a minha geração da do Paulo Martins, mas o tempo deixa de existir quando as almas se encontram e se reconhecem através de amizade, respeito e diálogo; embora o mundo atual e suas relações de troca de favores pouco saibam sobre isso, sobretudo na era tecnológica em que as pessoas se medem mutuamente a todo momento e sempre tendo em vista o que podem ou não lucrar com contatos e likes: ainda existem relações despretensiosas e repletas de grande valor. Por isso, é de uma felicidade tamanha poder escrever sobre um amigo do outro lado do Atlântico e que divide parte de sua vida e sonhos em forma de edição tão bela, intimista, humana.

O Diabruras me trouxe parte de um país que não conheci e que ainda não conheço, que me fere todos os dias na falta mínima de cuidados com os mais necessitados, na falta de trato entre as pessoas, no descuido das relações pessoais, na eterna guerra que anima nossas redes sociais, relações e cidades. Chego a pensar que pouco andamos à frente, talvez por esse arraigado desejo individualista, algo próximo ao patológico e que deturpa os valores de uma sociedade e de cada uma das vidas que a compõem. É um lugar feito de poucos sonhos e muitos pesadelos.

Creio que uma das grandes coragens do Paulo é esse desejo de continuar vivendo e acreditando, lutando, mesmo, pelo amanhã; e nada melhor quando a arma que se dispõe não fere, mas inebria e acalanta: como esse desejo permanente de unir música, amor, esperança e espalhá-las aos quatro ventos a partir das palavras e do próprio ato de viver. Porque ser feliz, cantar, ler, produzir ideias e ideais é o que deve mover nossas existências, é o que nos faz demasiadamente humanos.

Saí do livro, ainda que ele não tenha saído de mim, reconhecendo-me nas lutas desse amigo, em suas feridas após 42 dias de tortura, em sua tentativa de suicídio no cárcere, em sua progressiva surdez advinda da violência de nosso país, em seus amores e fugas, em suas músicas e festas, em seu violão, amizades, viagens e simplicidade. E, sim, ainda que não tivesse nascido ou lutado naquele momento, estamos juntos e seguiremos assim pela música, pela poesia e sempre crendo em novos dias, seja acaso ou destino, porque nossa força se encontra na palavra: nossa bandeira e hino sobre o necessário porvir enquanto pessoas e nação.






INFORMAÇÕES SOBRE A EDIÇÃO E SOBRE ONDE ENCONTRÁ-LA:

AS DIABRURAS DE ORFEU – Cantorias sem fim

Editora Lacre – Rio de Janeiro – 2020 - 263 páginas, entre 38,00 e 45,00 reais

Autor: PAULO MARTINS ( ficcionista, poeta, ensaísta e compositor).

Prefácio: Ricardo Cravo Albin, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e do Pen Clube do Brasil.

Vendas: Livraria da Travessa - RJ, Amazon e site da Editora:

https://editoralacre.lojaintegrada.com.br/as-diabruras-de-orfeu

https://www.travessa.com.br/as-diabruras-de-orfeu-cantorias-sem-fim-1-ed-2020/artigo/57432c46-ce3b-4d0a-b557-520a0065ce0a


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