Entrevista de Fernando Andrade







Fernando Andrade, 53 anos, é jornalista, escritor e poeta , crítico literário. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colabora na revista literária Literatura e fechadura com resenhas de livros e cd's e entrevistas com escritores, poetas e músicos. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas (2012) e Poemometria (2015) editora Oito meio, Enclave, poesia, (2017) saiu pela Editora Patuá. Seu poema "A cidade é um corpo" participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. lançou em 2018, seu quarto livro de poemas, a perpetuação da espécie (2018) pela Editora Penalux. No final de 2019, lançou, seu primeiro livro de contos Logaritmosentido, editora Penalux. Em 2021 lançou seu quinto livro de poemas, Interstícios, pela editora Penalux e no mesmo ano, seu segundo livro de contos, A janela é uma transversalidade do corpo, Editora Penalux.

 






Inicio nossa conversa pelo "fim": gostaria que fizesse um balanço das agruras e felicidades relacionadas aos sete livros já lançados e saber sobre os próximos projetos de edição. 



Minha obra possui uma unidade orgânica entre os livros tanto de ficção como de poesia. Eles se complementam pela estrutura que faço com relação ao estudo dos gêneros. Me atenho muito à questão formal da escrita, olhando certas particularidades do desenho poético traçado pela geometria e matemática. A parte gráfica da escrita e seu cunho linguístico são tão importantes para mim quanto os sentidos  e a parte da significação. Fiz o passeio pela biografia de mim mesmo em A perpetuação da espécie, certa odisseia dos sentidos em alguns contos onde o nonsense era próprio de um humor quase anárquico, em Logaritmo sentido.  São livros onde sempre faço uma mistura da musicalidade da canção no verso com a parte ficcional de um narratividade focada mais na poética. 






Suas resenhas buscam adentrar diálogo profícuo com a obra, suscitando, muitas vezes, questões que o autor não havia percebido ou poucos haviam se utilizado de tal prisma. Como tem sido manter essa análise crítica e como vê o mercado literário e as relações entre autores? 

 

Não faço uma leitura interpretativa de qualquer livro que me venha nas mãos. Busco o sentido poético do romance, de um livro de poemas, tentando fazer da leitura uma livre associação como se escrevesse através de sonhos, uma imagem não precisa ser decodificada, sempre. Busco relações entre signos e significados através de um fluxo poético de correlações entre a parte que entendo como sentido e sua parte imaginativa, ligada a minha criação, propriamente, um pouco ficcional. Tanto que começo um texto por uma imagem minha, associativa, e não uma decodificação do que li. Minha relação com autores é mais na base destas resenhas que faço. E também nos pedidos de textos que às vezes alguém me pede, de um prefácio, ou orelha. Ou nos trabalhos de análise de originais que faço ( remunerado) que pinta no decorrer do ano. 





 

 
Pelo que me parece, você busca ultrapassar o limite entre os gêneros literários, estabelecendo mescla que desafia e questiona, que amplia e surpreende o leitor mais desavisado: que de pronto sai da poesia para a prosa e vice-versa, da novela para o teatro ou o conto. Quais as dificuldades e benesses de se estabelecer isso em livro? 

 

 
Acho que existe, às vezes, um antagonismo em ver o poema livre de qualquer junção com outro gênero narrativo. Há uma ideia fixa de abstração do poema, o poema etéreo, o poema que precisa ser interiorizado a ponto do sentido se esfumaçar. Bartolomeu Campos de Queiroz fez um livro lindo criando uma novela, Vermelho amargo com imagens extremamente líricas, quase uma torção da linguagem da narrativa com o poema. Gosto do hibridismo, de deixar imagens que são tão sensoriais do poema se estabelecer num conto, onde a linguagem faz uma reviravolta com os signos linguísticos que são bem pessoais da poesia também. O diálogo por exemplo no poema pode ser uma base totalmente teatral, do palco. O poema trabalha com a especificidade de cada gênero. 






 
A junção entre diferentes pensamentos que vão da música à filosofia, da linguística às artes plásticas, parece-me ser também um dos cernes de sua escrita, que percorre os campos do significado e do significante, sempre reinventando e formulando novas possibilidades de compreensão do estar no mundo do existir e no mundo do comunicar. Gostaria que se detivesse sobre isso e sobre as influências trazidas com essa característica de sua escrita. 

 

 

Eu sempre fui um crítico dos sistemas fechados e binários de verdade única e sentido exato. Por isso, comecei a escrever “Poemometria'', que fala desta relação do círculo com algo fechado ao entorno. Lembre-se que quando se fala de círculos de amigos, são aqueles que são mencionados, naquele exato momento, quem for de fora terá que "trabalhar" a amizade alheia. Neste livro fiz certa operação nos núcleos onde as linhas se fecham, e não abrem para o espaço do universo. Através da poética fui abrindo todos estes conceitos do torno, o dentro. Então pensei, vamos anarquizar o signo, vamos fazer pontes entre o pensamento abstrato e o racional; usar a linha nômade para viajar pelas estradas dos inúmeros gêneros literários. Tenho um tema que se repete em três livros diferentes, um casal olhando um quadro onde a ambiguidade do ser parece desnormalizar classificações. E parte dele coloco no final de um poema no livro Interstícios.       

 





Amizade geométrica 
 
Oi, eu vi dois amigos na varanda 
Trocando miudezas em assuntos. 
Era um papo que puxava mais um 
Para então chegar depois: o vértice do triângulo. 
 
Numa conversa fechada, não entra mais nenhum. 
Para então decidir chegar junto 
O que vinha em ângulo acentuado 
E por direito abrir a conversa no retângulo. 
 
Papo vem papo vai 
Chegou aquela morena, tatuada 
E o espaço fechado do retângulo 
Se desfaz na quarta parede. 
 
Todos só olhavam para o vão aberto 
Por onde a morena atuava 
No papo direto e certo 
Dizia umas gírias diretas 
Como se estivesse por aqui há anos. 
 
Já eram cinco e tanta brincadeira 
Com um e outro e a morena cativou,   
Que uma lona ali foi montada, um circo? 
Ou um círculo de uma trupe feliz.   

 
 

Fernando Andrade  

(Enclave, Patuá, 2017)
 

 
 

 
 


 

Nomear algo é dar existência, formular sentido para o que nasce e permanece como identidade além de seus criadores. O que te move a continuar criando e recriando em meio ao caos que vivenciamos no Brasil? 

 

 

Vou responder essa sua pergunta com uma parte do posfácio do meu amigo Caio Garrido. "Neste sentido, ainda nos aproximando e apoiando em Bion, podemos dizer que os personagens muitas vezes dão vida a seus autores. Não só os autores que dão vida a seus personagens. Quem já não ouviu um escritor dizer do quanto ele depende de sua escrita? Do quanto que para ele escrever se confunde com o viver"? 
 
 

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