Geometria do Acaso, por Alexandre Kovacs

 

Geometria do Acaso, por Alexandre Kovacs

Foto por Pixabay em Pexels.com

“Na primeira parte do livro, Esfera, Luciano Lanzillotti trabalha com a inspiração do tempo que, assim como a memória”

Por Alexandre Kovacs

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Só mesmo um poeta para nos ensinar que o acaso também tem lá a sua geometria, talvez não a rigorosa ciência que comprova a relação de cálculo das formas fixas, de seus comprimentos áreas e volumes, mas sim uma geometria na qual a matemática não tem vez, porque aqui tratamos de elementos não mensuráveis: “[…] Há então a geometria do acaso, / embora não se encontre definição / em livros do gênero. // Por ela e só por ela / é possível compreender / que a vida não se mede, / a vida se gasta.” (p. 116)

Na primeira parte do livro, Esfera, Luciano Lanzillotti trabalha com a inspiração do tempo que, assim como a memória, apesar da nossa teimosia em “juntar, medir e sistematizar”, mostra-se inclassificável, fato que me lembra do clássico Relógio de Ponto e da prosa poética do saudoso pernambucano Alberto da Cunha Melo (1942-2007).

Em Pirâmide, o olhar do poeta se volta para as injustiças sociais dos nossos grandes centros urbanos, o homem-placa que almoça sentado ao meio-fio: “Entre colherada e outra, / observa as pessoas / que passam. // Vago sorriso involuntário / lhe enlarguece a face.” (p. 59) ou a gari que “Varre, meticulosamente , o meio fio, / como se fosse a própria casa. // Debutante de sonhos e sociedade / inacessíveis, // dança com fones / e uniforme fluorescente. // Pouco fala, nada responde. // Vez por outra, congela, por alguns segundos: // tentando se lembrar de como poderia ter sido.” (p. 58)

Na terceira parte, Cubo, incômoda e cheia de arestas, a inspiração vem de aspectos preocupantes da vida contemporânea como a destruição da natureza e a nossa estúpida dependência dos celulares e aplicativos: “Animado com a nova compra, / abre a caixa branca, / geométrica, / como relicário: // retira plástico, papel, película / que recobre o produto, manual, / tomada, fone e tela de vidro. / Ligado em 127 volts, é o primeiro / olá que recebe hoje..” (p. 96) Será que essa maldita tela e vidro é a nossa única e definitiva companhia?

A parte final, Prisma, nos lembra de valores humanos que representam alguma esperança no futuro: “Do assento percebo / a senhora entrar no ônibus. // Tento fazer contato via olhos / para lhe oferecer o lugar. // Quando consigo iniciar a frase, / sou imediatamente cortado: // descanse, meu filho, / é você quem está vindo do trabalho.” (p. 121) e o oportuno lembrete que eu compartilho com o poeta: “Aviso aos interessados: // voo / permanentemente / cancelado. // Não pretendo deixar / esse sol, / esse mar. // Nossa senhora dos destinos, / remarque minha passagem / em cem anos / no mínimo.” (p. 142) Deixo com vocês alguns exemplos da poesia de Luciano Lanzillotti:

ÁLGEBRA
(Esfera – p. 26)

A vida se mede com alguns cálculos:

anos em dezenas;
propriedades em metros;
dinheiro em milhares;
amores em bodas,

mas a medida vaga do sorriso
se perde entre alaridos

Desde tempos distantes
gostamos de juntar comida,
pilhas, roupas, vinho;
nosso cérebro vestiu essa fantasia.

Acreditamos que ao juntar,
medir, sistematizar;

marcaremos um tempo
para além do que nos foi entregue
em frágil vidro.

Esquecemos, entretanto, que ele
já veio trincado.

TRÊS LIMÕES
(Pirâmide – p. 61)

O menino parado à porta do mercado
não quer dinheiro, apenas três limões
para trabalhar malabares.

O convido a entrar para que
os escolha.

Em pouco tempo, sou abordado
para que saibam se está comigo.

Franzino, malvestido e
olhos baços de quem não entende 
nada de metáforas.

A vida é dolorosa e a poesia

não pode com isso.

Pago limões, chocolate,
despeço-me envergonhado
por tudo o que tem passado.

E sei que ele
nunca mais sairá de mim.

CONTATOS
(Cubo – p. 98)

Os amigos viraram contatos,
até os de longa data
trocam figurinhas apenas à 
distância, que vai se tornando imensa.

Risadas vão secando,
aniversários em volta
de telas azedadas

e da vida em festa
advém o primeiro
não-milagre:

vinho vira vinagre.

LINHA

(Prisma – p. 125)

Clama a matemática
que a menor distância
entre dois pontos
é uma reta.

A mínima distância
pode ser curva,
ser um beijo
ou mesmo intransponível.

Poesia brasileira contemporânea

Sobre o autor: Luciano Lanzillotti nasceu no Rio de Janeiro em1975. Licenciado em Letras (UNISUAM, 2002), Mestre (2007) e Doutor (2012) em Literatura Brasileira pela UFRJ, tendo sido orientado por Eucanaã Ferraz e Dau Bastos e pesquisado sobre as poéticas de Manuel Bandeira e Ruy Espinheira Filho. Fez parte de antologias especializadas em literatura contemporânea em mídias impressas e digitais.

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