Versos e afins:
poemas, resenhas e livros
Uma obra gerada desse barro que é a vida
“É o primeiro livro do autor, mas já se vê que esse rebento não nasceu para divagar , mas para transitar, com a leveza que se espera dos poetas, próximo da realidade diante da qual seu olhar fisga a beleza e a crueza do mundo.”
GEOMETRIA DO ACASO (Dialética, São Paulo, 2021), de Luciano Lanzillotti, veio para florescer nesse chão quase estéril em que a poesia de muitos cresce como planta sem viço, raquítica. GEOMETRIA possui o vigor das obras perenes, feitas para enfrentar a ferrugem da banalidade, hoje lamentavelmente tão cultivada por grande parte dos “poetas”, os quais se contentam com a superficialidade de seus poemas rasos, quase sempre sem sentido. É o primeiro livro do autor, mas já se vê que esse rebento não nasceu para divagar , mas para transitar, com a leveza que se espera dos poetas, próximo da realidade diante da qual seu olhar fisga a beleza e a crueza do mundo.
Habilidoso com as palavras, Lanzilloti emoldura o poema com o rigor da precisão vocabular, tornando-o livre dos atritos que limitam o dizer poético à imperfeição. O texto de Lanzillotti flui claro e simples, sem as afetações que só atrapalham a comunicação. Assim, partículas de luz em movimento fecundam a criação poética e o poema adquire, nas mãos do criador, a perfeição que só a grande poesia ostenta, como ensina em
SILÊNCIO
Morrem vogais e consoantes,
assim como qualquer tecido.
Desmancham-se adjetivos e
advérbios desnecessários.
Esvaziam-se de sentido
metáforas, hipérboles e metonímias
O verso como deve ser:
limpo de tudo, restando apenas
sua aproximação com o silêncio
da página.
(Pág.114)
Cento e vinte poemas de muitas faces, gerados desse barro que é a vida, trazem ao leitor imagens de uma época que, às vezes, dói — borrifos destes tempos sem ternura. É assim que deve ser o poema, afastado da alienação escravizante. Poesia sem os refugos da realidade não é poesia. É entretenimento. Lanzillotti produziu uma obra notável capaz de sobreviver no e além do tempo em que vivemos. É impossível sair da última página de GEOMETRIA DO ACASO sem a certeza de que a poesia de Lanzillotti é um antídoto contra o veneno do tédio, útil e necessária, uma voz que deve ser ouvida como a do profeta que prega a esperança.
Leal Kostav
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