MATEMÁTICA NA POESIA OU A GEOMETRIA DO ACASO, Por Luiz Otávio Oliani

 

MATEMÁTICA NA POESIA OU A GEOMETRIA DO ACASO

Luiz Otávio Oliani


Foto por Miguel u00c1. Padriu00f1u00e1n em Pexels.com

Poesia e matemática combinam? Claro que sim, pois há beleza poética em tudo, ainda mais nas ciências exatas.

No prefácio à obra “Geometria do acaso”, São Paulo: Editora Dialética, 2021, o escritor Leonardo Valente analisa magistralmente a estrutura do livro de Luciano Lanzilotti, de forma que basta a leitura para compreender a dinâmica do livro.

O volume vem dividido em quatro blocos, a saber: esfera, pirâmide, cubo e prisma e que cada um condensa poemas não aleatórios, mas com um propósito analisado por Leonardo Valente.

Na primeira parte do livro, “Esfera”, a incidência dos poemas versa sobre a cidade, a rua, a consulta médica, as chaves da casa, o tempo, a memória…

A parte dois, “Pirâmide”, p.45, traz textos de crítica social, como o desemprego, a violência, a má política do transporte público, além de trazer a eleição de personagens sociais emblemáticos como o cidadão comum, o peixeiro, a prostituta, entre outros.

Em “Cubo”, p 67, os animais são o destaque com a estranha relação destes com os homens. Entre couros, gaiolas, doces de javali, o aposentado que alimenta os pombos nas ruas, o encalhamento de baleias jubarte na praia etc.

Há espaço para criticar a postura humana e não ambiental de o homem jogar lixo nos rios, onde “Peixes e girinos / prosperam em seu íntimo, / curiosamente.”, em “Caldo”, p.71.

Outros temas comparecem à parte em voga, como o processo civilizado, as pinturas rupestres em cavernas e a busca de eleição de Deuses, a relação dos recém-Casados, entre outros. Tudo ratifica a vasta imaginação de Luciano, para o qual tudo pode ser matéria de poesia.

A parte final “Prisma”, p. 113, apresenta outros eixos temáticos como a relação da poesia com a matemática, a função metalinguística, as dicotomias da existência, entre outros.

E a fim de ilustrar um pouco todo ideário temático, seguem alguns poemas analisados com as características de estilo de Lanzilotti.

O texto que intitula a obra, “Geometria do acaso”, p. 116, traz que “a matemática não dá conta / com variáveis” e que “a vida não se mede,/ a vida se gasta.”

Em “Desterro”, p.19, há um eu lírico em fragmentos, pois “por onde seguir / se em terra devastada / e cego de ambas as vistas?”

Em “Cidade”, p.20, a cidade parece um corpo feminino com o campo semântico inerente: “trompas” “ovário”, “útero”, uma vez que tal vocabulário aparece no texto. No entanto, a cidade é o mais e disfarça o desconhecido, pois “Dias nos fazem deixar um pouco do que somos / para trás: / placenta em lixo hospitalar.”

Em “Rua”, p.22, o eu lírico se ressente de abandonar o tempo da infância, como se ela lhe pertencesse. Isto porque se “A rua da minha infância / vai desaparecendo com o fim dos moradores // Meu nome também vai com cada um deles: / (…) // Cada um resiste em mim a ir embora / e resisto a me ir de todos vocês.”

A perda da identidade se dá quando falha a “Memória”, p. 27, porque “Um nome se apaga aos poucos // (…) Até que a fatídica pergunta / jamais seja recordada.”

O tempo aparece no poema “Pais”, p.28, como elemento que age sobre o eu lírico e “As vozes, / ainda que as mesmas / da infância, //lembram-me / que também / envelheci.”

Há um traço narrativo em “Consulta”, p.31, uma vez que o poema relata uma história entRe a médica e a mãe de um estudante/ paciente, no caso.

Os versos de “Fera”, p.36 “Então, passo a pensar / a vida: ,// que parte da minha carne / ainda poderá / ser salva?” trazem interessante reflexão existencial, ora dedicada aqui aos leitores desta resenha.

“não há escola melhor / do que a do envelhecimento”, em “Tempo”,p.39.

“Resumo de História” é um poema crítico-social que exalta que obras monumentais, ao capricho de faraós e ditadores, foram construídos sempre pelos humildes, numa dicotomia entre as classes sociais: quem manda e quem obedece.

“Rocinante”, p.54, é um poema que encanta, pois, apesar de revelar a face da pobreza, com a apresentação de uma família humilde, um pai que recolhe recicláveis na rua, o filho, uma criança brinca com um chicote imaginário em mãos. Era Rocinante!

Em “Zoo”, p 75, o habitat natural dos animais versus o espaço-prisão de um zoológico configuraria liberdade vigiada?

A falta de comunicação e o vazio vocabular ou conteudístico aparecem em “Oceano”, p. 77, texto no qual há a necessidade “(…) / de criar / ponte / entre o verbo / e / diálogo.”

A metalinguagem desponta em “Silêncio”, p. 114, “Cáctus”, p. 117, entre outros, mas os versos do último poema citado trazem que “’O verso, não como / adoração, nascimento, / resposta, // mas puro deleite: // animal feito, / unicamente, de palavras.”

A intertextualidade aparece em forma de homenagem à poeta norte-americana Emily Dickinson, citada em “Emily”, p. 127

Daí, as dificuldades nos relacionamentos surgem, seja em um “Casamento”, p. 84, ou não. Isto porque, se a morte separa as pessoas, é importante dizer que “objetos não mantêm os mortos / objetos só nos sacrificam”, como em “Armário”, p. 89.

Também há espaço para uma análise sobre as relações tecnológicas, em “Selfies”, p. 99, ou “’Postar”, quando a carta é preterida como meio de comunicação aos recursos digitais,

O desapreço pela cultura em “Livraria”, p. 92, mostra que “Quando as livrarias desaparecem, / algo finda em um povo.” E se os livros são rejeitados, o consumismo não é, como mostra “Pesquisa”, p. 95, quando “(…) / Estranhamente, lojas de celulares / estão sempre lotadas.”

Por todo o exposto, a poesia de Luciano Lanzillotti vale muito a pena.

*LUIZ OTÁVIO OLIANI cursou Letras e Direto. É professor e escritor. Em 2017, a convite de Mariza Sorriso, representou o Brasil no IV EPLP em Lisboa. Participa de mais de 200 livros coletivos. Consta em mais de 600 jornais, revistas e alternativos. Recebeu mais de 100 prêmios. Teve textos traduzidos para inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, holandês e chinês. Publicou 16 livros: 10 de poemas, 3 peças de teatro e os livros de contos “A vida sem disfarces”, Prêmio Nelson Rodrigues, UBE/RJ, Personal, 2019; “Ingênuos, Pueris e Tolinhos”, Personal, 2021 e “Um encontro inusitado: concordâncias e divergências”, em parceria com Eliana Calixto, Penalux, 2021. Recebeu o título de “Melhor Autor Apperjiano 2019” pelo conjunto da obra. Em 2020, teve poema publicado nos Estados Unidos da América, na Carolina do Norte, em Chapel Hill, na coletânea internacional “VII Heron Clan”, a convite de Todd Irwin Marshall. Em 11 de junho de 2021, a professora doutora Cristiane Tolomei (UFMA) resenhou “A vida sem disfarces” e “Ingênuos, Pueris e Tolinhos”, no canal A VOZ LITERÁRIA.

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