Entrevista de Antônio Carlos Secchin




Lanzillotti :Sua tese/livro sobre João Cabral é referência nos estudos sobre o pernambucano. Que características há em seus poemas do autor de "O cão sem plumas"?


Secchin: Ao longo de  toda minha obra poética  , fiz  dois poemas em homenagem a ele, que, de algum modo, expressam traços de sua poesia. No mais, não creio que haja maior afinidade. O estilo dele é tão particular que qualquer influência mais ostensiva correria o  risco de gerar apenas pastiches, diluidores da força do original.

 


Lanzillotti: É impressão ou prefere as formas fixas e rimadas às formas livres? Se bem que alguns poetas questionem as formas, dizendo que elas não existem, tudo é ritmo na escrita. Concorda?



Secchin: Sim, tendo a trabalhar de preferência (não com exclusividade) com as chamadas “formas fixas”, mas penso que não cabe aos poetas repeti-las, e sim inventar possibilidades  frente ao que parece mumificado. Por que não um diálogo crítico, não de submissão, com o legado da tradição? Isso também é valido para as formas não fixas, o verso livre já um senhor mais do que centenário. Num ou noutro caso haverá boa ou má poesia.  



Lanzillotti: Além de atos normativos, palestras, prêmios e indicações, que outras funções a ABL ainda desempenha?



Secchin: Muitíssimas contribuições para a cultura do país, infelizmente não (re)conhecidas como deveriam ser. Convido  todos a que acessem o site www.academia.org,br. e  confiram os múltiplos campos de atuação da Academia. Publicações – livros e periódicos – do maior relevo. Ciclos de palestras de altíssimo nível, com especialistas de todo o Brasil e até do exterior. Edições aperfeiçoadas do Vocabulário Ortográfico da Língua  Portuguesa, o VOLP. Tudo acessível gratuitamente aos usuários.

  


Lanzillotti: Como percebe a produção de poesia e o mercado editorial no Brasil no passar das últimas décadas?



Secchin: A poesia está onde sempre esteve: em lugar nenhum do mercado (quase). Talvez o menos comercial dos gêneros, e , talvez por isso mesmo, o mais livre.




Lanzillotti: Há no poema a seguir versão pessoana de "O poeta é um fingidor" ou possível recriação em metapoema? Concorda com alguns autores que rechaçam a autorreferência como forma de construção poética?


 

"Toda linguagem

é vertigem,
farsa, verso fingido
no desígnio do signo
que me cria, ao criá-lo." 

(Trecho de Toda linguagem, de Antônio Carlos Secchin)


 



Secchin: Sim, tudo é ficção em arte, mesmo o que se diz “autêntico”. Creio que , no limite, o poeta  é um ser imaginário, inventado pelos poemas que ele inventou.

 


Lanzillotti: São mais de quarenta e cinco anos de publicações desde Ária de estação e um nome reconhecido nos meios literários e acadêmicos. O que isso representa para você?



Secchin: Pelo menos, a consciência de que fiz, venho fazendo, meu  máximo em prol da poesia, não apenas no campo da criação, mas também nos do ensaísmo e do magistério. É um trio intercomunicante, no qual apostei minha vida.

 


Lanzillotti: Que impressões e vivências têm retirado do atual momento pandêmico no Brasil e no mundo?


 

Secchin: Por ser aposentado, e passar a vida entre livros, em casa, a maior parte do tempo, a pandemia não me assolou com a brutalidade com que atingiu a maior parte da população. Solidarizo-me com a população sofredora, no combate ao negacionismo que causou, e ainda vai causar, mortes e perdas que poderiam ter sido evitadas. Cheguei a escrever um poema em prol da vacina, publicado em O Globo.

 


Lanzillotti: Existe também forma sechinina de escrita e oratória, assim como há a cabralina? Seu discurso de posse da ABL alia erudição à simplicidade, algo raro na intelectualidade, diga-se de passagem.



Secchin: Não creio que um pensamento, para ser original, tenha de ser vazado em estilo pomposo, ou deliberadamente inacessível (para aparentar ser mais “profundo”). O saber pode ter leveza. Há uma divisa, atribuída a Fernando Pessoa, que sempre me encantou, é um ideal que persigo, nem sempre o atingindo:  “ser raro e claro”. Isso em tudo: no poema, no ensaio, na sala de aula...



Lanzillotti: Qual o papel  ou falta de papel da Universidade na formação de novos escritores? 



Secchin: Não creio que a Universidade forme  escritores, tampouco que seja esse um de seus grandes objetivos. Pode, sim, fornecer subsídios para o aprimoramento  de uma vocação que preexiste aos bancos universitários, mas não injeta o  talento em quem não o possui. O aprimoramento técnico, todavia, potencializa a qualidade dos que já trazem o dom da escrita.


 

Lanzillotti: Quais as próximas páginas a serem escritas por Antônio Carlos Secchin em nossa história literária? Vi há pouco uma edição com 50 ou 100 exemplares autografados e numerados, mas esgotaram rapidamente.



Secchin: Publiquei bastante nos últimos anos. Em 2017, Desdizer (livro inédito + poesia anterior). Em 2018, O galo gago, minha estreia na literatura infantil, e Percursos da poesia brasileira, do século XVIII ao XXI, uma espécie de “história  informal” de nossa poesia, congregando autores canônicos e alguns esquecidos pela historiografia “oficial”. Em 2020, saíram a Poesia completa de João Cabral, que organizei , com a colaboração  de Edneia Ribeiro, obra com mais de 50 poemas inéditos do grande poeta, e João Cabral de ponta a ponta, meu livro-súmula sobre esse autor que estudei por mais de 30 anos. Em 2021, provavelmente, novo livro de ensaios e Ana à esquerda, minha ficção reunida.


Comentários